sábado, setembro 12

nesses momentos não penso no infortúnio, e sim na beleza que permanece. é nisso que eu e mamãe somos muito diferentes. seu conselho diante da melancolia é: "pense em todo o sofrimento que há no mundo e agradeça por não fazer parte dele." meu conselho é: "saia, vá para o campo, aproveite o sol e tudo que a natureza tem para oferecer. saia e tente recapturar a felicidade que há dentro de você; pense na beleza que há em você e em tudo ao seu redor, e seja feliz."

(anne frank)

janela sobre a chegada

o filho de pilar e daniel wainberg foi batizado à beira-mar. e no batizado, ensinaram à ele o que é sagrado.
recebeu um caracol.
- para que aprenda a amar a água.
abriram a gaiola de um pássaro preso:
- para que aprenda a amar o ar.
deram a ele uma flor de gerânio:
- para que aprenda a amar a terra.
e deram também uma garrafinha tampada:
- não abra nunca, nunca. para aprender a amar o mistério.

(eduardo galeano)
acho que o quintal onde a gente brincou é maior do que a cidade.
a gente só descobre isso depois de grande.
a gente descobre que o tamanho das coisas há que ser medido pela intimidade que temos com as coisas.
há de ser como acontece com o amor.
assim as pedrinhas no nosso quintal são sempre maiores do que as outras pedras do mundo.

(manoel de barros)

terça-feira, setembro 8

estrangeiro, aquele que é diferente, que vem de um outro lugar, que não pertence a um grupo, a uma cidade, a uma família. aquele que não compartilha os mesmos signos, não é familiar, conhecido. estranho. era assim que se sentia.

(tiago elídio, sobre pierre seel)

segunda-feira, setembro 7

não espero nenhum olhar, não espero nenhum gesto, não espero nenhuma cantiga de ninar. por isso estou vivo. pela minha absoluta desesperança, meu coração bate ainda mais forte. quando não se tem mais nada a perder, só se tem a ganhar. quando se pára de pedir, a gente está pronto para começar a receber. o futuro é um abismo escuro, mas pouco importa onde terminará a minha queda. de qualquer forma, um dia seremos poeira. quem é você? quem sou eu? sei apenas que navegamos no mesmo barco furado, e nosso porto é desconhecido. você tem seus jeitos de tentar. eu tenho os meus.

(caio fernando abreu)

terça-feira, junho 23

o meu ponto distante na estrada
preso aos dias a gente daqui.
o meu tempo medido e atado
ao sol único de milhares manhãs.

tecemos juntos a mesma estampa
rumo ao auge que se foi despercebido.
onde todo abismo agora é raso
e todo choro agora é riso.

(thiago oliveira)

sábado, maio 30

há dias em que o coração sofre tão terrivelmente o beco sem saída, que apanha como uma pancada de cana na cabeça, a ideia de já não conseguir passar.

(artaud)

domingo, maio 10

(toulouse-lautrec)

"como se fora um coração postiço..."

(...)

mas o menino do coração fora do peito está se rindo. não responde nada. podia contar a sua história: "o dr. mereje disse que..." - mas não conta. está rindo, mas está triste. os anjinhos todos querem saber. então o menino diz:


- ora, pinhões! eu nasci com o coração fora do peito. queria que ele batesse ao ar livre, ao sol, à chuva. queria que ele batesse livre, bem na vista de toda a gente, dos homens, das moças. queria que ele vivesse à luz, ao vento, que batesse a descoberto, fora da prisão, da escuridão do peito. que batesse como uma rosa que o vento balança...

os anjinhos todos do limbo perguntaram:

- mas então, paulistinha do coração fora do peito, pra que é que você foi morrer?

o anjinho respondeu:

- eu vi que não tinha jeito. lá embaixo todo mundo carrega o coração dentro do peito. bem escondido, no escuro, com paletó, colete, camisa, pele, ossos, carne cobrindo. o coração trabalha sem ninguém ver. se ele ficar fora do peito é logo ferido e morto, não tem defesa.

(...)

(rubem braga)

segunda-feira, abril 27

to be nobody but yourself in a world which is doing its best, night and day, to make you everybody else, means to fight the hardest battle which any human being can fight, and never stop fighting.

(e. e. cummings)

quinta-feira, abril 23

segunda-feira, abril 13

impotência pacífica

da fachada já percebo, pelo sujeira posta em seu entorno posso prever o que me espera no interior. quando entro sinto o fedor de carne humana. podre, desgastada. o hall estreito tomado por vícios, mesquinhez. penso em voltar mas é tarde, não há retorno. subo as escadas largas e negras. em cada degrau escarros de inutilidade e fraqueza, cólera da ignorância. no quarto me sento entre as chagas do solo. acomodo-me cercada por quatro paredes sem janelas, por onde deslizam secreção, dor, desespero. a verdade nua, sem disfarces ou máscaras, bem diante de meus olhos. e por mais que eu queira modificá-la, fico estática, vendo a porta mofada lentamente se fechar.

domingo, abril 12

eu ainda queria ser próximo das pessoas. eu morava sempre com outras pessoas achando que podíamos nos tornar bons amigos e contar nossos problemas, mas acabava sempre descobrindo que eles só estavam interessados numa outra pessoa para repartir o aluguel. (...)
eu havia sido muito machucado, até o ponto em que só se pode ser machucado quando você se importa muito. então acho que eu me importava muito...

(andy warhol)

sexta-feira, março 20

eu escrevi um poema triste

eu escrevi um poema triste
e belo, apenas da sua tristeza.
não vem de ti essa tristeza
mas das mudanças do Tempo,
que ora nos traz esperanças
ora nos dá incerteza...
nem importa, ao velho Tempo,
que sejas fiel ou infiel...
eu fico, junto à correnteza,
olhando as horas tão breves...
e das cartas que me escreves
faço barcos de papel!

(mario quintana)

quarta-feira, março 4

era uma noite quente. o lugar também era quente, as pessoas, as bebidas. eu continuava fria e azul acompanhada de sua ausente presença interminável.
partimos dali para o breu, onde tudo o que enxergava era o que minha imaginação produzia. não produzida era sua respiração que a cada minuto mais próxima se misturava com a minha. a sensação de duas bocas entreabertas e nada mais a ser dito.
pela primeira vez senti o amor surgindo. mais perto, tão perto... dentro de mim. manifestando-se no disparar do meu coração. força nova, cheia de vida e esperança. pela primeira vez. e tantas depois ele disparou de súbito. com você por perto, tão perto... dentro de mim.

sexta-feira, fevereiro 27

(goeldi)
voltando a caminhar, dei meu primeiro passo. a rua continua escura e o excessivo silêncio chega a ser ensurdecedor. o som mais alto que ouço são as batidas descompassadas de meu coração. e a cada uma, meu medo diminui e minha segurança aumenta, simultaneamente. segurança esta que me faz andar, mesmo sem saber o que me espera no final. agora já dou passos mais velozes, meus olhos cerrados me guiam. minha cabeça e meu corpo, em perfeita sintonia, não lembram mais do que passou. só pensam nos meus passos nessa rua sombria, o resto já não importa. começo a correr, disparada, e de repente uma luz se acende, uma única luz que ilumina toda a cidade...

domingo, fevereiro 15

domingo, janeiro 18

os degraus

não desças os degraus do sonho
para não despertar os monstros.
não subas aos sótãos - onde
os deuses, por trás das suas máscaras,
ocultam o próprio enigma.
não desças, não subas, fica.
o mistério está é na tua vida!
e é um sonho louco este nosso mundo...

(mario quintana)

segunda-feira, janeiro 12

domingo, janeiro 4

este quarto...

este quarto de enfermo, tão deserto
de tudo, pois nem livros eu já leio
e a própria vida eu a deixei no meio
como um romance que ficasse aberto...

que me importa este quarto, em que desperto
como se despertasse em quarto alheio?
eu olho é o céu! imensamente perto,
o céu que me descansa como um seio.

pois só o céu é que está perto, sim,
tão perto e tão amigo que parece
um grande olhar azul pousado em mim.

a morte deveria ser assim:
um céu que pouco a pouco anoitecesse
e a gente nem soubesse que era o fim...

(mário quintana)