domingo, maio 10

"como se fora um coração postiço..."

(...)

mas o menino do coração fora do peito está se rindo. não responde nada. podia contar a sua história: "o dr. mereje disse que..." - mas não conta. está rindo, mas está triste. os anjinhos todos querem saber. então o menino diz:


- ora, pinhões! eu nasci com o coração fora do peito. queria que ele batesse ao ar livre, ao sol, à chuva. queria que ele batesse livre, bem na vista de toda a gente, dos homens, das moças. queria que ele vivesse à luz, ao vento, que batesse a descoberto, fora da prisão, da escuridão do peito. que batesse como uma rosa que o vento balança...

os anjinhos todos do limbo perguntaram:

- mas então, paulistinha do coração fora do peito, pra que é que você foi morrer?

o anjinho respondeu:

- eu vi que não tinha jeito. lá embaixo todo mundo carrega o coração dentro do peito. bem escondido, no escuro, com paletó, colete, camisa, pele, ossos, carne cobrindo. o coração trabalha sem ninguém ver. se ele ficar fora do peito é logo ferido e morto, não tem defesa.

(...)

(rubem braga)

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