quarta-feira, janeiro 16

A Espera

Sozinha aguardava...

Não tinha nem fome, nem sede, só anseio por mudanças. Apesar disso, pediu um café, na busca de qualquer atrito que pudesse agitar aquele vazio que se acomodava cada vez mais.

Ele não viria, soube desde o início, desde a proposta. Ela sabia que aquele gesto significava o fim. Por mais que ele a procurasse no futuro, nada podia ser feito. Sua ausência naquela e nas noites anteriores definia aquilo que ainda estava indefinido.

Não sabia qual seria seu próximo passo, sem a única certeza que lhe restava. Sem forças para levantar, permaneceu, pretendendo passar a noite inteira sentada naquele café...

Aline Siqueira

------------------------------------------------------------------------------------------------------------------


a espera do fim do mundo...

diziam que aquele seria o último dia, que o mundo acabaria... então resolveu ir ao restaurante Automat, sentar e esperar... antes, como um autômato, dirigiu-se a uma máquina, enfiou-lhe uma moeda e serviu-se daquela bebida que tanto apreciava... enquanto degustava aquela que poderia ser sua última xícara de café, pôs-se a pensar na sua vida... não se importava muito se o mundo realmente fosse acabar... sentia-se indiferente frente a tudo... o mundo havia tomado um rumo que não lhe agradava... e sua vida também... solteira, com poucos amigos e muitas desilusões, havia se fechado em si mesma... ensimesmada, portanto, permanecia... o café estava amargo... na verdade, não gostava de adoçá-lo... já havia se habituado à amargura... permaneceu também de costas para a rua... pouco lhe importava o que estivesse acontecendo do outro lado do vidro... preferia não ver... além disso, se o apocalipse de fato ocorresse, apenas o sentiria e pronto... mas não havia nenhum sinal de que algo realmente mudaria... aparentemente o mundo continuava o mesmo... o mundo e seus habitantes humanos, que seguiam agindo como se fossem verdadeiros autômatos, sem vontade alheia, sem reflexão, sem ação... precisava lidar com essa questão... tomou outro gole de café e continuou esperando...

Tiago Elídio...




Edward Hopper - Automat, 1927

domingo, agosto 7

mal nos conhecemos
inauguramos a palavra amigo!
amigo é um sorriso
de boca em boca,
uma casa, mesmo modesta, que se oferece.
um coração pronto a pulsar
na nossa mão!

(alexandre o'neill)

segunda-feira, agosto 1

que culpa temos nós dessa planta da infância,
de sua sedução, de seu viço e constância?

(jorge de lima)

ponteio

(...)

parado no meio do mundo
senti chegar meu momento
olhei pro mundo e nem via
nem sombra, nem sol, nem vento

(...)

(capinam e edu lobo)

exausto

eu quero uma licença de dormir,
perdão pra descansar horas a fio,
sem ao menos sonhar
a leve palha de um pequeno sonho.
quero o que antes da vida
foi o sono profundo das espécies,
a graça de um estado.
semente.
muito mais que raízes.

(adélia prado)

sábado, setembro 12

nesses momentos não penso no infortúnio, e sim na beleza que permanece. é nisso que eu e mamãe somos muito diferentes. seu conselho diante da melancolia é: "pense em todo o sofrimento que há no mundo e agradeça por não fazer parte dele." meu conselho é: "saia, vá para o campo, aproveite o sol e tudo que a natureza tem para oferecer. saia e tente recapturar a felicidade que há dentro de você; pense na beleza que há em você e em tudo ao seu redor, e seja feliz."

(anne frank)

janela sobre a chegada

o filho de pilar e daniel wainberg foi batizado à beira-mar. e no batizado, ensinaram à ele o que é sagrado.
recebeu um caracol.
- para que aprenda a amar a água.
abriram a gaiola de um pássaro preso:
- para que aprenda a amar o ar.
deram a ele uma flor de gerânio:
- para que aprenda a amar a terra.
e deram também uma garrafinha tampada:
- não abra nunca, nunca. para aprender a amar o mistério.

(eduardo galeano)
acho que o quintal onde a gente brincou é maior do que a cidade.
a gente só descobre isso depois de grande.
a gente descobre que o tamanho das coisas há que ser medido pela intimidade que temos com as coisas.
há de ser como acontece com o amor.
assim as pedrinhas no nosso quintal são sempre maiores do que as outras pedras do mundo.

(manoel de barros)

terça-feira, setembro 8

estrangeiro, aquele que é diferente, que vem de um outro lugar, que não pertence a um grupo, a uma cidade, a uma família. aquele que não compartilha os mesmos signos, não é familiar, conhecido. estranho. era assim que se sentia.

(tiago elídio, sobre pierre seel)

segunda-feira, setembro 7

não espero nenhum olhar, não espero nenhum gesto, não espero nenhuma cantiga de ninar. por isso estou vivo. pela minha absoluta desesperança, meu coração bate ainda mais forte. quando não se tem mais nada a perder, só se tem a ganhar. quando se pára de pedir, a gente está pronto para começar a receber. o futuro é um abismo escuro, mas pouco importa onde terminará a minha queda. de qualquer forma, um dia seremos poeira. quem é você? quem sou eu? sei apenas que navegamos no mesmo barco furado, e nosso porto é desconhecido. você tem seus jeitos de tentar. eu tenho os meus.

(caio fernando abreu)